16.1.07

O cheiro a liberdade anda longe, por enquanto

Apesar deste blog já ter sido acusado de falta de originalidade, por alguém que posta letras de canções, confesso que tenho saudades da Liberdade, de Fernando Pessoa. E como o blog é meu (qualquer semelhança com "esta barriga é minha, quem manda aqui sou eu" é pura coincidência, sobretudo, numa altura em que se adensa a discussão em torno do referendo sobre o aborto) fica esse cheirinho de desmazelo pelas obrigações que, por enquanto, anda longe, lá no horizonte distante:

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

4.1.07

Os riscos de um ovokinderino-dependente

"Mãe traz-me um chocolate, uma surpresa e um brinquedo! Mas isso são três desejos". A frase tornou-se célebre num anúncio da famosa marca de chocolates. O futebolista português, Cristiano Ronaldo poderia agora refazer o mesmo anúncio e escolher como slogan: "Dá gosto comê-los e construir as surpresas". O Correio da Manhã de sábado, 30 de Dezembro de 2006, trazia a história do mês, com o título "Cristiano Ronaldo viciado em kinder" (o típico português diria 'Olha menos mal, há outros que são viciados em droga e queimam o dinheiro todo. Depois quando chegam ao fim da carreira ficam na miséria porque não souberam poupar para mais tarde').
A jornalista revela que, em criança Cristiano Ronaldo ficava deliciado quando comia um ovo kinder, coisa rara, dada a situação financeira da família. Hoje em dia passa o dia a comer os ditos ovos, claro, entre alguns treinos que tem de fazer. Também do ponto de vista financeiro o típico português diria 'O rapaz também pode ter os seus vícios. Tem dinheiro para os pagar' e, neste caso, de facto, o vício até barato, pelo menos para o actual bolso de Cristiano Ronaldo.
Ao contrário do que acontecia na infância de Cristiano Ronaldo, em que o dia de comer ovo kinder era festa na terra, hoje, Ronaldo varia entre as várias ofertas de chocolate kinder. Deixo a sugestão de fazer um menú para a semana, mantendo-se sempre fiel ao ovo. À segunda-feira um ovo kinder, à terça uma barra kinder, à quarta um kinder bueno, à quinta-feira kinder délice e à sexta mais um ovo kinder.
É logo pela manhã que o jogador gosta de comer os ovos kinder. Não sai de casa sem o seu ovinho. Ora o típico português voltaria a dizer 'É de manhã que se começa o dia'.
O mais interessante é que Cristiano Ronaldo não se fica pelo chocolate. Não resiste a construir as surpresas. O típico português: 'É vê-lo doido a construir um dos amigos pernudos que traz o ovo kinder. Quando de vez em quando, durante um treino, se senta no banco do Manchester United saca logo de um para o construir. O rapaz é um artista. E já ouvi dizer que aquelas faltas todas que ele sofre pode ser por causa de ter tempo para construir mais um amigo pernudo, enquanto o árbitro discute com o jogador adversário.'.
Termino alertando para o risco que os ovokinderino-dependentes correm. É que apesar de cada ovo kinder conter na sua composição 32 por cento de leite, podem rapdiamente tornarem-se diabéticos. O exagero nunca foi bom para ninguém. A não ser que seja um às refeições, à semelhança do copo de vinho tinto.

A maldição das aplicações informáticas

"Os 883 médicos recém-licenciados que hoje [quarta-feira, 3 de Janeiro de 2007] deveriam começar a sua actividade profissional nos hospitais nacionais continuam à espera de serem colocados pelo Ministério da Saúde". São portugueses? Sim. Esta foi a primeira reflexão depois de ter lido a notícia do Público com o título: "Quase 900 jovens médicos à espera de colocação".
Dada a propalada escassez de médicos em Portugal parecia que a realidade retratada pelo jornalista era a de um outro país. Mas afinal os recém-licenciados são bem portugueses e aguardam que o Ministério da Saúde publique a lista de colocações para que iniciem o antigo internato geral nos hospitais. Atraso explicado por um erro informático. O ministro da Saúde, Correia de Campos não tardou em informar que foi usada uma nova aplicação informática que apesar de ter sido testada trouxe problemas.
A primeira ruga de preocupação apareceu no meu rosto quando li precisamente a justificação do governante. Rapidamente, recuei no tempo até ao episódio de uma outra aplicação informática nova, usada nas listas de colocação de professores. Não devemos encarar este assunto de ânimo leve. A maldição das aplicações informáticas novas pode andar aí e a provocar vítimas. Colmatar a lacuna de médicos no país é assim adiada transformando o homem numa vítima da máquina.