30.4.07

Guardo sempre

Guardo na memória as tardes em que perdia o olhar no horizonte,
feito de rio, feito de planaltos, feito do toque do sino a rebate.
Guardo na alma a vontade de regressar, de cumprir uma promessa nunca feita mas que parece faltar cumprir.
Guardo no coração o abraço quente com que me recebes, quando me aninho no teu colo.
Guardo na memória as corridas do alto do lugar para a casa azul.
Guardo na alma as marcas de uma infância desenrascada.
Guardo no coração o desejo de me reencontrar.








29.4.07

Dr. Portugal e o Melhor Tirador de Cerveja

Não é novidade que, em Portugal, muitas das nobres personalidades deste cantinho à beira-mar plantado, adoptaram como primeiro nome Dr. ou Eng. O título académico agora ainda mais na berra, com o caso da licenciatura do PM português, está na moda e o que ousar não se dirigir a uma dessas personalidades sem essa muleta está sujeito a ser julgado por cometer um ultraje a tão digno representante da classe dos Dr.'s ou Eng.'s. Apesar de alguns considerarem um preciosismo certo é que, de facto, e na maioria dos casos, este título académico é sustentado por um diploma, conseguido, no final de uma licenciatura. O bom senso assim o diz, embora hoje em dia, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e 1+1 nem sempre são dois. Os diplomas variam de instituição para instituição, há quase para todos os gostos, os meus preferidos são os que estão em latim e os licenciados nem sequer percebem uma só letra a não ser o seu próprio nome. Muitos já se dissertaram sobre a beleza estética desse diploma numa parede, de preferência numa moldura, e ainda hoje não raras vezes, esse objecto símbolo de um estatuto, de um primeiro nome, aparece, frequentemente, num dos gabinetes desses senhores Dr.'s ou Eng.'s.
Se é verdade que esses diplomas são únicos e intransmissíveis, há outros em Portugal que se tranformaram numa espécie de souvenir para oferecer ao Melhor Namorado, à Melhor Mãe, ao Melhor Pai, ao Melhor Cão, ao Melhor Gato, ao Melhor Piriquito e ao Melhor... Tirador de Cerveja. Percebo a surpresa! Mas a verdade é que na praia de Mira, num estabelecimento comercial virado para o mar, o proprietário ostenta um título que jamais tinha visto. Ao Melhor Tirador de Cerveja, descreve o dito diploma. E atesta o documento que o proprietário é o Melhor Tirador de Cerveja do Mundo. As qualidades do senhor Tirador de Cerveja foram de facto comprovadas, mas também é certo que a engenharia de manusear uma máquina de finos não parece uma ciência difícil. Contudo, tal juízo é posto em causa quando o proprietário tem não um, mas dois diplomas de Melhor Tirador de Cerveja. Ora, agora qualquer leitor pode invocar o "Ver para crer" que dá sempre jeitos nestas descrições inusitadas. Pois há uma prova do que é descrito neste texto, mas por razões várias aguardo que a mesma me chegue às mão, ficando a promessa eleitoral de que essa será exibida neste blog.
Este episódio fez-me reflectir sobre a necessidade de ter um diploma, nem que seja de Melhor Tirador de Cerveja, o importante é que cada um invista na sua formação e se dê a si próprio uma nova oportunidade seja como Melhor Contador de Degraus, Melhor Lava Copos ou Melhor Cortador de Relva. A este investimento, acresce também a necessidade de continuarmos a tentar obter lugares ímpares no Guiness Book. Assim se faz uma grande Nação.

28.3.07

As efemérides

As efemérides teimam em ser assinaladas. Pese embora o significado das datas que, para alguns representam vitória e conquistas, estas efemérides por vezes parecem roçar o desnecessário, mas basta um olhar à volta para percebermos que talvez estas datas possam ainda representar para alguns um avanço.
A propósito do Dia Mundial do Teatro multiplicaram-se as iniciativas por todas as cidades. Mas, por razões afectivas, apetece-me centrar num evento em particular. O Cine-Teatro de Estarreja recebeu a peça Os Camones, da recém-criada Companhia de Teatro de Estarreja. Um projecto que nasce de um workshop de teatro e de repente evolui para uma companhia de teatro. Um grupo de jovens levou à cena uma rábula que em palco colocou lado-a-lado o Portugal de Camões e o Portugal dos novos Camones. Uma primeira peça que por ser primeira ainda tem algumas arestas a limar, mas que merece desde já o aplauso de quem aprecia o espírito de iniciativa, de vontade e de empenho num projecto novo, características raras hoje em dia. O Dia Mundial do Teatro é assim assinalado com a criação de uma nova companhia, ficando Estarreja mais rica e o país também.
Para assistir a esta primeira peça da Companhia de Teatro de Estarreja a sala estava cheia. Pais, mães, avós, tios, primos ou amigos encheram o espaço para ver teatro. Para muitos aquela seria a primeira vez que entravam numa sala de espectáculos, que viam uma peça de teatro. Uma feliz conquista no Dia Mundial do Teatro. Mas também são estes exemplos de mobilização em torno de uma primeira peça que lança a questão: Porque é que as salas de teatro nem sempre estão cheias? Porque é que não gostamos de ver teatro? Porque é que ir ao teatro não atrai as gerações mais novas, que preferem correr atrás de modas ou de imposições? E o preço já não é desculpa, porque os teatros desdobram-se em descontos para mais jovens...

24.2.07

As cinco pérolas do espírito português

O Ministério da Cultura está a apoiar a iniciativa Sete Maravilhas de Portugal, promovida por um consórcio. O objectivo é escolher os sete monumentos mais relevantes de Portugal. Mais uma vez, o homem privilegia a obra, cimento e esquece a nobreza do espírito destes mui nobres aventureiros que partiram à descoberta. Uma lacuna que me proponho a colmatar com a selecção das... cinco pérolas do espírito português (o número é diferente, mas vale a originalidade):

- "Então está tudo bem? Ah, mais ou menos!"
Para o típico português nunca está tudo bem, há sempre um menos bem. Mas porque é que está menos bem? Nunca sabe, mas deve haver algures alguma coisa menos bem.

- "Fazemos isto hoje. Mas para quando é? Para daqui a uma semana. Então ainda temos muito tempo"
Trabalhar com uma semana de antecedência é uma miragem. Se é só para daí a uma semana, faz-se um dia antes que ainda vai a tempo.

- Os diminutivos: cafezinho, bolinho.
O povo português propalado de alma grande revela-se pequeno sempre que se trata de pedir um café ou um bolo. Talvez algum trauma.

- Um autarca que é investigado por corrupção é uma garantia de reeleição.
Até poderia estender-me neste item, mas parece-me desnecessário recomenda-se apenas uma espreitadela por alguns jornais.

- Teve um acidente e partiu uma perna! Coitado podia ter sido bem pior
O português nunca fica contente com o que tem. Prevê sempre o pior, sobretudo, em casos em que o susto foi maior do que a desgraça.

O regresso

Após um longo interregno, imposto por obrigações ditas profissionais, estou de regresso para mais uns bitaites sobre o estado do mundo ou não, talvez sejam apenas uns bitaites sobre o estado do tempo, ou sobre a demissão, desculpem sobre a recandidatura de Alberto João Jardim que decidiu animar ainda mais o carnaval da Madeira, ou sobre a cor das unhas, ou sobre José Cid ou Paco Bandeira ou mesmo sobre nada.

16.1.07

O cheiro a liberdade anda longe, por enquanto

Apesar deste blog já ter sido acusado de falta de originalidade, por alguém que posta letras de canções, confesso que tenho saudades da Liberdade, de Fernando Pessoa. E como o blog é meu (qualquer semelhança com "esta barriga é minha, quem manda aqui sou eu" é pura coincidência, sobretudo, numa altura em que se adensa a discussão em torno do referendo sobre o aborto) fica esse cheirinho de desmazelo pelas obrigações que, por enquanto, anda longe, lá no horizonte distante:

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

4.1.07

Os riscos de um ovokinderino-dependente

"Mãe traz-me um chocolate, uma surpresa e um brinquedo! Mas isso são três desejos". A frase tornou-se célebre num anúncio da famosa marca de chocolates. O futebolista português, Cristiano Ronaldo poderia agora refazer o mesmo anúncio e escolher como slogan: "Dá gosto comê-los e construir as surpresas". O Correio da Manhã de sábado, 30 de Dezembro de 2006, trazia a história do mês, com o título "Cristiano Ronaldo viciado em kinder" (o típico português diria 'Olha menos mal, há outros que são viciados em droga e queimam o dinheiro todo. Depois quando chegam ao fim da carreira ficam na miséria porque não souberam poupar para mais tarde').
A jornalista revela que, em criança Cristiano Ronaldo ficava deliciado quando comia um ovo kinder, coisa rara, dada a situação financeira da família. Hoje em dia passa o dia a comer os ditos ovos, claro, entre alguns treinos que tem de fazer. Também do ponto de vista financeiro o típico português diria 'O rapaz também pode ter os seus vícios. Tem dinheiro para os pagar' e, neste caso, de facto, o vício até barato, pelo menos para o actual bolso de Cristiano Ronaldo.
Ao contrário do que acontecia na infância de Cristiano Ronaldo, em que o dia de comer ovo kinder era festa na terra, hoje, Ronaldo varia entre as várias ofertas de chocolate kinder. Deixo a sugestão de fazer um menú para a semana, mantendo-se sempre fiel ao ovo. À segunda-feira um ovo kinder, à terça uma barra kinder, à quarta um kinder bueno, à quinta-feira kinder délice e à sexta mais um ovo kinder.
É logo pela manhã que o jogador gosta de comer os ovos kinder. Não sai de casa sem o seu ovinho. Ora o típico português voltaria a dizer 'É de manhã que se começa o dia'.
O mais interessante é que Cristiano Ronaldo não se fica pelo chocolate. Não resiste a construir as surpresas. O típico português: 'É vê-lo doido a construir um dos amigos pernudos que traz o ovo kinder. Quando de vez em quando, durante um treino, se senta no banco do Manchester United saca logo de um para o construir. O rapaz é um artista. E já ouvi dizer que aquelas faltas todas que ele sofre pode ser por causa de ter tempo para construir mais um amigo pernudo, enquanto o árbitro discute com o jogador adversário.'.
Termino alertando para o risco que os ovokinderino-dependentes correm. É que apesar de cada ovo kinder conter na sua composição 32 por cento de leite, podem rapdiamente tornarem-se diabéticos. O exagero nunca foi bom para ninguém. A não ser que seja um às refeições, à semelhança do copo de vinho tinto.

A maldição das aplicações informáticas

"Os 883 médicos recém-licenciados que hoje [quarta-feira, 3 de Janeiro de 2007] deveriam começar a sua actividade profissional nos hospitais nacionais continuam à espera de serem colocados pelo Ministério da Saúde". São portugueses? Sim. Esta foi a primeira reflexão depois de ter lido a notícia do Público com o título: "Quase 900 jovens médicos à espera de colocação".
Dada a propalada escassez de médicos em Portugal parecia que a realidade retratada pelo jornalista era a de um outro país. Mas afinal os recém-licenciados são bem portugueses e aguardam que o Ministério da Saúde publique a lista de colocações para que iniciem o antigo internato geral nos hospitais. Atraso explicado por um erro informático. O ministro da Saúde, Correia de Campos não tardou em informar que foi usada uma nova aplicação informática que apesar de ter sido testada trouxe problemas.
A primeira ruga de preocupação apareceu no meu rosto quando li precisamente a justificação do governante. Rapidamente, recuei no tempo até ao episódio de uma outra aplicação informática nova, usada nas listas de colocação de professores. Não devemos encarar este assunto de ânimo leve. A maldição das aplicações informáticas novas pode andar aí e a provocar vítimas. Colmatar a lacuna de médicos no país é assim adiada transformando o homem numa vítima da máquina.