28.12.06

Saí porta fora

Saí porta fora. Senti o frio entranhar-se no corpo. A carne arrefeceu. O coração continuava desenfreado. Os olhos encheram-se de água. O alcatrão bebeu a primeira lágrima. Dei o primeiro passo. Sem direcção andei. A carne aqueceu. O coração acalmou. Os olhos encheram-se de água. Chorei. O ramo caiu. Fiquei imobilizada. Fixei o olhar naquele ramo. Recuei no tempo. Sentada na soleira da porta da casa da minha avó vi o avô chegar com a velha motorizada atrelada com um carrego de lenha. A descer a vereda, a minha avó carregava os sacos brancos. Corri para dentro. Esperei. O sorriso dela encheu-me a alma. E a meia-lua doce que desembrulhava matou-me a gula. O cheiro do café chamou o avô. Sentou-se à cabeceira da mesa.
Despertei. A carne arrefeceu. O coração acelerou. Chorei. Um passo mal dado atirou-me para o chão. Apalpei o tornozelo. Gritei. Como no dia em que uma pedra me arrancou-me uma unha do pé. A minha mãe apareceu à porta agarrou-me nos braços. A unha voltou a crescer.

A cambalear, andei. Procurei no horizonte, como o dia em que perdi a pulseira de ouro com pedras azuis, num casamento de alguém, hoje, desconhecido ou apagado da memória. Contrariei a minha mãe e perdi-a.

Encontrei uma luz intensa. Parei e encontrei-me no elevador frio cinzento, amarrada a uma maca. Descontrolada por uma anestesia geral. A precisar do meu pai.

Persegui essa luz. O coração quase que saltava da boca. A carna estava mais quente do que nunca. A respiração descontínua apertava-me o peito. Persegui um sonho, conquistei uma vida, pelo caminho foram ficando os ramos, os gritos, as perdas e o descontrolo. Sinto saudades de tudo.

Saí porta fora e entrei no carro. Ouviu-se o barulho do motor e partimos. Acenei à minha mãe e voltei-me para a frente. Acordei em casa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Faz-me lembrar o meu Natal!

Anónimo disse...

As recordações trazem-nos nostalgia e as épocas festivas do natal e ano novo são deprimentes devido ao efeito que causam. É como as chamadas gratuitas da PT...dão jeito para quem tem familia e amigos...e quem não tem? para que servirá o natal e ano novo?! Já a ideia das passas é do melhor que há!!! Assim como os desejos. Há algum mal em desejar alguma coisa?! como desaparecer do mapa (bem em alguns mapas, Portugal é Espanha...), ou desejar uma máquina de tripas no escritório...porque que é que só Aveiro é que pode ter essas magníficas doçuras?!?! Á comunidade branco nú preto um grande ano de muitas escritas críticas criativas!!!

Anónimo disse...

não queria ficar anonymous. enganei-me.